sábado, 13 de novembro de 2010

Uma Estranha Realidade

"O que me impressionava em dom Juan era o fato de ele não fazer questão de ser fraco e indefeso, e só de estar ao seu lado eu sentia uma comparação desconfortável entre o seu comportamento e o meu. Talvez uma das declarações mais impressinantes que dom Juan me fez naquela ocasião tenha sido a respeito de nossa diferença inerente. Antes de uma de minhas visitas, estava me sentindo muito infeliz com o aspecto geral de minha vida e com vários conflitos pessoais sérios. Quando cheguei à sua casa, sentia-me irritado e nervoso.
Estávamos conversando a respeito de meu interesse pelo conhecimento; mas, como sempre, nos encontrávamos em lados diferentes. Referia-me ao conhecimento acadêmico que transcende a experiência, enquanto ele falava do conhecimento direto do mundo.

-Sabe alguma coisa do mundo que o rodeia? - perguntou.
-Sei muitas coisas diferentes-respondi.
-Quero dizer, sente o mundo em volta de você?
-Sinto tanto do mundo em volta de mim quanto posso.
-Isso não basta. Tem de sentir tudo, senão o mundo perde o sentido.

Rebati com o argumento clássico, dizendo que não era preciso provar a sopa pra saber a receita, nem levar um choque elétrico para saber a respeito da eletricidade.

-Você faz a coisa parecer estúpida - disse ele. - Na minha opinião, quer agarrar-se a seus argumentos, a despeito do fato de eles não lhe darem nada; quer continuar assim, mesmo à custa do seu bem-estar.
-Não sei do que você está falando.
-Estou falando do fato de que você não é completo. Não tem paz.

Aquela declaração me aborreceu. Ofendi-me. Achei que ele certamente não estava em condições de julgar meus atos ou minha personalidade.

-Você está atormentado por problemas - disse ele. - Por quê?
-Sou um homem, dom Juan - respondi, irritado.

Fiz aquela declaração do mesmo jeito que meu pai costumava fazer. Sempre que ele dizia que era apenas um homem, implicitamente queria dizer que era fraco e indefeso; e a declaração dele, como a minha, era cheia de um sentido final de desespero.

-Pensa demais em si mesmo - disse ele, sorrindo. - E isso lhe dá um cansaço estranho, que o leva a fechar o mundo em sua volta e se agarrar a seus argumentos. Por isso, só tem problemas."

Carlos Castaneda - Uma Estranha Realidade

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